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Comunicação e Ciência

Atualizado: 6 de jun. de 2023



1. INTRODUÇÃO


A problema da comunicação e a constituição do saber científico não são temas que se relacionam de forma imediata em todos os leitores. O que parece evidente é o fato de ambos serem profundamente atuais, considerando os problemas políticos enfrentados por quase todo ocidente. Mais do que citar exemplos de tais problemas – qualquer jornal diário hoje poderia oferecer um espectro deles – cabe mostrar como dois assuntos aparentemente distintos podem ser pensados conjuntamente, ou, ao menos, colocados em correlação a partir de uma mesma questão. É o que se pretende neste trabalho.

O tema da comunicação será elaborado através de uma abordagem específica do campo da linguagem. Ele terá como fio condutor a proposta de Ferdinand Saussure e sua famosa separação entre língua e fala, a fim de situar o problema da significação em referência ao campo estrutural da língua. O que será buscado é mostrar como o problema da significação depende do campo da fala, ainda que, por sua vez, ela seja dependente das possibilidades engendradas pelo código da língua. Por fim, é a heterogeneidade entre significante, significação e sua unidade (o significado, a Coisa) que se delineará como abertura para se pensar a questão da comunicação, marcando um impossível que a caracteriza enquanto relacionada à expressão de um sentido.

Já a constituição do saber científico será abordada a partir da impossibilidade da realização da comunicação. Ele será definido como um saber objetivo que visa à universalidade, mas realizando-a a partir de uma determinada operação de linguagem: a rejeição do campo do sentido através de sua subjugação pelo significante. É asism que se torna possível pensar a transmissibilidade de seu saber, transmissão puramente pela via material da lingaugem.

Dessa forma, comunicação e ciência se relacionam através do tema da linguagem. Esta última pretende ser uma resposta ao problema que a questão do sentido engendra para a primeira. É o que se tentará mostrar a seguir.


2. DESENVOLVIMENTO


Articular o problema da comunicação com o problema da transmissibilidade do saber científico implica necessariamente um percurso sobre o tema da linguagem, mais especificamente de problemas levantados pela linguística estrutural. É neste sentido que a questão da comunicação será abordada primeiramente a partir da noção de língua enquanto estrutura, para depois ser alcançada a questão do saber científico e suas particularidades.

Cabe salientar que não se trata de uma defesa de determinado ponto de vista, mas sim de levantar questões que certo campo teórico fomenta, prolongando suas consequências para o campo da comunicação.


2.1 O problema da comunicação


2.1.1 A língua como estrutura


O problema da comunicação surge dentro de um complexo teórico específico, o da linguística estrutural. Para compreendê-lo, portanto, será necessária uma passagem pelas distinções fundamentais propostas por seu fundador, Ferdinand Saussure, a fim de marcar bem o que se pretende: a heterogeneidade da significação com relação ao campo do significante.

A primeira divisão importante é aquela proposta por Saussure entre a língua e a fala. Ela está inserida na tentativa de objetivação do campo da linguagem com a retirada do que nele é acidental ou individual. É o que o autor diz na seguinte passagem:


Com o separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1 – o que é social do que é individual; 2 – o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental. (SAUSSURE, 2017, pp. 45)


Isso pode ser constatado através de suas respectivas definições. A língua é caracterizada como um sistema de signos distintos correspondentes a ideias distintas (SAUSSURE, 2017, pp. 42), que conhece apenas sua própria ordem (SAUSSURE, 2017, pp. 55) e que, enquanto sistema organizado de seus signos componentes (ou seja, um código), é o que faz a unidade da linguagem (SAUSSURE, 2017, pp. 42). A fala, por sua vez, é tomada como um ato individual de vontade e inteligência (SAUSSURE, 2017, pp. 45), no qual são efetuadas as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal (SAUSSURE, 2017, pp. 45).

O que fica anunciado por essa delimitação conceitual é que, se por um lado a linguagem implica uma certa dimensão particular e acidental na qual o sujeito da fala exprime um conteúdo pessoal e singular, por outro, esse próprio ato pessoal necessita de algo que o ultrapasse e que possibilite sua realização. Esse algo, tomado como o essencial da linguagem, é justamente a língua enquanto sistema sincrônico[1] de signos presente em todos os falantes de um determinado idioma. Ele é responsável pela possibilidade de realização diacrônica[2] do ato de fala enquanto inserido dentro de um campo de possibilidades que só este código delimita. Não seria demais dizer que, portanto, é a língua que permite o que comumente se chama de comunicação. É o que atesta a seguinte passagem:


A língua é para nós a linguagem menos a fala. É o conjunto dos hábitos linguísticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender. (SAUSSURE, 2017, pp. 117)


Cabe agora questionar qual seria a característica desse sistema, ou melhor, daquilo que o constitui: os signos. É a esse respeito, talvez, que se apresenta a grande contribuição de Saussure. Este autor propõe uma nova forma de concebê-lo:


O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. (SAUSSURE, 2017, pp. 106)


Assim, o signo deixa de ser compreendido da forma comum como a ligação de uma entidade linguística e algo externo a ela (palavra e a coisa). Porém, é necessário definir o que seria um conceito (significado) e uma imagem acústica (significante).

A partir do contato auditivo com um fragmento de linguagem (geralmente sons relacionados a alguma palavra), a imagem acústica é caracterizada como a impressão (empreite) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos (SAUSSURE, 2017, pp. 106). Ou seja, seria o registro psíquico desse som enquanto relacionado a uma entidade discreta da linguagem, como no caso da representação auditiva da palavra “casa”, que nos faz entender que ela diz respeito a uma unidade[3] de linguagem, e não apenas a uma massa amorfa de sons desarticulados. Cabe ressaltar, já de imediato, que a natureza puramente física dessa imagem acústica fica excluída do campo do significante, uma vez que diversas entonações de voz na pronúncia da palavra “casa” (ou seja, sons fisicamente distintos) podem nos fornecer essa mesma entidade linguística. O que possibilita sua apreensão como “casa” ante as diferenças físicas do som é sua oposição, ou sua diferença, com relação aos outros termos da língua. É o que Saussure afirma na seguinte citação:


O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras, pois são elas que levam à significação[4]. (SAUSSURE, 2017, pp. 165).


Assim, torna-se possível entender o caráter puramente diferencial do significante, ou seja, que ele se define não por seu conteúdo (seja o conteúdo um conceito ou uma qualidade acústica), mas sim pela sua diferença ante os outros significantes. A seguinte passagem reforça essa definição do significante enquanto elemento diferencial:


Isso é ainda mais verdadeiro no que diz respeito ao significante linguístico; em sua essência, este não é de modo algum fônico; é incorpóreo, constituído não por sua substância material, mas unicamente pelas diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras. (SAUSSURE, 2017, pp. 166)


Por sua vez, o conceito (também denominado de ideia) é caracterizado como fatos de consciência (SAUSSURE, 2017, pp. 43) cujas imagens acústicas servem para exprimi-los. Eles seriam o que formaria o conteúdo para o qual essa imagem acústica se refere, como atesta o esquema proposto por Saussure da imagem acústica “arbor” (francês para árvore) e o desenho de uma árvore para exprimir o seu conceito (SAUSSURE, 2017, pp. 107). A noção de conceito fica, assim, aproximada da noção de imagem para a qual tende a referência de uma determinada unidade linguística. Porém, não se pode confundir essa imagem característica do conceito com a imagem acústica do significante, e nem com a coisa externa ao campo da linguagem. Isso fica evidente através da aproximação entre a significação e a noção de valor, proposta pelo autor com o exemplo do “carneiro” (SAUSSURE, 2017, pp. 162).

O valor do termo português “carneiro” pode ter uma mesma significação (SAUSSURE, 2017, pp. 162) que “sheep” do inglês (no caso, o animal carneiro), mas o valor entre eles não seria igual devido a associações possíveis para “carneiro” e não para “sheep” (como o fato de um prato de comida poder ser denominado “carneiro” em português, mas não “sheep”, pois em inglês ele teria outro termo, “mutton”). Nota-se, porém, que a distinção entre significação e valor não parece se sustentar plenamente, pois tanto o animal quanto o prato de comida seriam significações possíveis da palavra “carneiro”, não havendo motivo para se pensar uma prioridade significativa do animal ante o prato de comida para. O que fica claro, assim, é que tanto o valor como a significação são identificados como algo que emerge das relações possíveis que um significante específico (“carneiro”) tem com outros significantes (“animal” ou “prato de comida”).

Esse mesmo exemplo do “carneiro” pode ajudar a esclarecer este fato. Nele, são as associações de “carneiro” com os significantes “animal” ou “prato de comida” que produzem uma significação específica, se diferenciando, assim, do significante “sheep” que, por sua vez, não se associaria diretamente com “prato de comida”, mas apenas com “animal”. A significação de “carneiro” se define, assim, por sua relação com a significação de outros termos, como “animal”, e esses outros termos serão definidos, sucessivamente, na sua relação com outros termos (“ser vivo”, etc.)[5]. A significação, assim, parece possuir a mesma característica diferencial do significante, enquanto definindo-se pela diferença na relação com outras significações. É o que parece indicar Saussure quando diz que:

Em todos esses casos, pois, surpreendemos, em lugar de ideias dadas de antemão, valores que emanam do sistema. Quando se diz que os valores correspondem a conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema. Sua característica mais exata é ser o que os outros não são. [...] esse conceito nada tem de inicial, não é senão um valor determinado por suas relações com outros valores semelhantes, e sem eles a significação não existiria. (SAUSSURE, 2017, pp. 164)


Essa maneira de se pensar a significação se aproxima de uma colocação de Jacques Lacan ao comentar que “a significação é o discurso humano na medida em que ele remete sempre a uma outra significação.” (LACAN, 1988, pp. 142). O que ela coloca, já de início, é uma certa possibilidade de deslizamento da significação em relação aos significantes, uma vez que aquela depende das relações estabelecidas entre estes. É o caráter arbitrário do signo linguístico, como bem explicita o autor ao dizer que


“uma língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores que deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o significado e o significante. É uma das consequências da arbitrariedade do signo.” (SAUSSURE, 2017, pp. 116)


Porém, outra consequência importante pode ser extraída do caráter arbitrário e diferencial do signo (SAUSSURE, 2017, pp. 1165). Se o significante é remetido sempre a outro significante, formando um sistema, e a significação não é pensada como algo dado, externo à linguagem, mas como aquilo que emerge das relações significantes, o que resulta é a noção da língua como uma estrutura. Isso deve-se ao fato de seus elementos não se remeterem a algo exterior a eles para identificarem seu valor significativo, mas apenas a si próprios numa sucessão de relações diferenciais, formando um todo, um universo fechado[6]. É como Lacan define a linguagem enquanto ordem humana, simbólica, ao dizer:


Para conceber o que se passa no âmbito próprio à ordem humana, é preciso que partamos da ideia de que esta ordem constitui uma totalidade. A totalidade na ordem simbólica denomina-se universo. A ordem simbólica é dada primeiro em seu caráter universal. (LACAN, 1985, pp. 46)


Temos, dessa maneira, a língua como uma estrutura significante, um todo formado de relações diferenciais que engendram significações. Vimos que essas significações, ainda que aproximadas à noção de imagem para a qual tende a referência de um determinado significante, também se definem num complexo de relações, se aproximando da noção de valor. Porém, não ficou evidenciado como a significação pode ser engendrada a partir do significante. É o que será buscado agora, tentando fornecer uma definição da significação em sua diferença com relação ao campo significante.


2.1.2 O problema da significação


O fio condutor para o encaminhamento dessa discussão será a seguinte citação de Lacan: “Estou-lhes mostrando que a questão do sentido vem junto com a fala.” (LACAN, 1985, pp. 385). Porém, para entender essa colocação, será preciso situar melhor o que é essa dimensão do sentido, aqui chamado de significação.

Como visto através do texto do Curso de Linguística Geral, ela é aproximada ao campo das imagens. Porém, não se resume a uma imagem dada previamente e que forneceria um referente para uma determinada entidade linguística. Ela é uma imagem engendrada pela própria associação significante. É nesse sentido que o esquema da árvore proposto por Saussure pôde ser substituído pelo esquema das portas (LACAN, 1966, pp. 499) presente no texto de Lacan intitulado “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” (LACAN, 1966).

Neste esquema, é a oposição significante entre “homem” e “mulher” que possibilitaria a diferenciação entre a imagem de duas portas como sendo respectivamente as entradas dos banheiros masculino e feminino. Vemos, assim, que a imagem que dota o significante de uma significação (banheiro masculino) é engendrada pela própria oposição significante. Não há uma imagem cuja significação preexiste ao significante, mas sim algo que é engendrado e se apresenta como significação já dentro do campo da língua.

Parece que é neste sentido que podemos entender a frase de Lacan de que a significação seja da natureza do imaginário não é duvidoso (LACAN, 1988, pp. 68). O campo da imagem confere significação, porém apenas na medida em que engendrada pelo campo do significante. Permanece, entretanto, a pergunta se, para a emergência da significação, bastaria apenas essa correlação entre uma oposição significante e o campo da imagem.

A natureza da língua pode oferecer um caminho para se pensar esse problema. Se ela é considerada como um código, ou seja, um sistema de elementos que se definem por sua relação diferencial com outros elementos, a dimensão do sentido parece ficar excluída de seu campo. Dito de outra maneira, se os elementos formadores da língua não são dotados de uma significação preexistente, mas apenas formam um sistema de relações, é preciso que algo seja acrescentado para que dele emerja uma significação. Caso contrário, seria preciso admitir que algum elemento da estrutura seja dotado de uma significação anterior à posição que nela ocupa. Essa pressuposição parece excluída pela própria definição diferencial do significante. Como exemplo, caso procuremos a significação de um termo no dicionário, ele não nos fornecerá senão uma rede de associações entre termos, sucessiva e indefinidamente, nunca a significação mesma fora de qualquer relação.

Essa heterogeneidade da significação com o campo do significante não parece, porém, condizer plenamente à posição de Saussure. Para ele ambos estariam contidos no seu estudo sobre a língua, ou seja, eram tomados em sua dimensão sincrônica. O que será proposto, porém, é pensar como essa dimensão de significação não pode ser restrita ao campo sincrônico da língua (significante), ainda que ele a determine[7]. É neste ponto que se introduz a dimensão diacrônica da fala e sua relação com a significação.

Foi visto que a fala é tomada como uma combinação individual, dependente da vontade dos que falam (SAUSSURE, 2017, pp. 52), em que o sujeito realiza o código da língua em uma expressão atual. O que essa definição parece implicar é que a sua realização em um ato expressa uma vontade particular. O que seria essa vontade? Pode-se compreender essa vontade como um movimento para a realização de uma significação, o que, em última instância, visa a comunicação. Assim, é no momento em que se serve do código para expressar algo (ou seja, para expressar um sentido) que a significação pode advir como aquilo que é produzido por esse ato.

Um bom exemplo seria o já citado dicionário. Se nele o leitor é remetido de significante em significante, ou seja, não alcançando senão essas relações significantes, a significação poderá emergir apenas a partir do momento em que esses significantes forem utilizados num ato que visa a algo além dessas relações. Ele só poderá ser realizado a partir de novas relações significantes, mas que poderão sempre visar outra coisa[8] do que aquilo que supostamente diz. Dito de forma breve, é na fala que uma determinada relação significante pode ser questionada sobre o seu sentido, ou seja, que algo como um “o que você quer dizer?” pode surgir, mostrando que a vontade que se desdobra na fala se apresenta como a questão de seu próprio sentido[9]. Parece evidente que a resposta desse querer dizer não poderá se esgotar numa simples articulação, colocando sempre um além dela. Essa constatação não é distante de Lacan, quando diz que:


A fala se institui como tal na estrutura do mundo semântico que é aquele da linguagem. A fala não tem nunca apenas um sentido, a palavra apenas um emprego. Toda fala tem sempre um além, sustenta muitas funções, envelopa/engendra muitos sentidos. Atrás do que diz um discurso, há aquilo que ele quer dizer, e atrás daquilo que ele quer dizer, há ainda um outro querer-dizer, e nada será aí esgotado [...]. (LACAN, 1975, pp. 267, tradução nossa)


Dessa forma, a questão do sentido de uma expressão significante não se coloca por si mesma. É apenas a partir do momento que do significante é feito um uso que a significação pode emergir como algo além, a ser explicitado sempre a partir de mais discurso. Por isso a significação sempre desliza, escoa e se furta (LACAN, 1999, pp. 240). O querer do dito fica, assim, entre o plano da articulação significante e sua realização significativa, o que não parece estar distante da definição lacaniana para o desejo. Como diz o autor:


[...] o fato de o desejo ser determinado por um ato de significação não fornece todo o seu sentido, em absoluto, de maneira acabada. É possível que o desejo seja um subproduto, se assim me posso exprimir, desse ato de significação. (LACAN, 1999, pp. 348)


É ele, o desejo, que deve se articular nesse intervalo entre o plano significado (aqui denominado de significação) e o plano significante (LACAN, 1999, pp. 419). Cabe agora pensar se é possível que algo represente os engendramentos da significação no campo da língua, ou seja, se existiria um significante capaz de responder pela questão do desejo presente no dito.


2.1.3 O significado e a impossibilidade da comunicação


Como forma de resumir o tópico anterior, pode-se dizer que a significação realiza o código em uma imagem dependente das relações significantes, não preexistindo a elas. Como mostra o exemplo do “carneiro”, são suas associações que permitem que a imagem perceptiva de um prato de comida ou de um animal possa se relacionar a essa unidade linguística. Porém o problema não se resolve plenamente. Resta a questão de como uma unidade discreta da língua (“carneiro”) pode se relacionar ao campo contínuo da percepção[10], ou seja, como pensar essa correlação de algo discreto (a linguagem) com algo contínuo (campo sensível). É preciso que algo forneça a unidade perceptiva do objeto para que ele se relacione com uma determinada unidade linguística.

Essa unidade do objeto jamais se apresenta numa simples percepção, pois somente suas perspectivas, os perfis deste objeto, podem ser sensivelmente apreendidas. Uma forma de contornar o problema seria pensar na associação desses perfis a fim de formar um objeto unitário. Porém é importante notar que para que a associação de diversos perfis em uma unidade objetiva se realize é preciso já antes supor que eles estão referidos a um mesmo objeto, ou seja, a uma unidade. Isso mostra que essa forma de resolver o problema encontra um círculo vicioso: pensar a unidade a partir da associação de suas partes é já supor a unidade mesma antes desta associação. Dessa forma, fica claro que a unidade mesma do objeto para o qual tende a significação fica fora do campo da percepção, sendo antes necessária para a própria realização perceptiva do objeto.

Além disso, o recurso às associações significantes também não poderia fornecer a unidade perceptiva do objeto, pois cada elemento significante remete a outro significante (como o exemplo do dicionário atesta). As relações significantes não podem oferecer a descrição que por si realize o salto de seu campo formal para o campo sensível das imagens. Assim, a imagem realizada do objeto é marcada de um impossível: para a correlação de uma imagem e um significante é preciso algo a mais que não seja nem da ordem do significante nem possa se apresentar numa imagem. Por isso Lacan pode dizer que ela é uma unidade velada (LACAN, 1986, pp.144).

Para ilustrar, o exemplo do “carneiro” pode ser útil. O significante “carneiro” se realiza, para o sujeito, numa imagem perceptiva do animal. Porém, como saber qual o recorte exato que permite distinguir o objeto “animal carneiro” para o qual tende a significação de “carneiro” dentro do campo contínuo da percepção humana. A resposta não pode ser da ordem das imagens, pois estas sempre pressupõem um conhecimento anterior que permite situar uma imagem como aquela representante de determinada significação; nem da ordem do significante, pois não será nenhuma definição a partir do nome "carneiro" que permitirá fundamentar seu reconhecimento perceptivo. É o problema dessa unidade velada, a Coisa, como o significado, mas o significado que padece do significante (LACAN, 2008, pp. 152)

Todo esse problema implica um fato de importância capital. Se qualquer fala emitida busca realizar no receptor uma significação qualquer a partir de uma articulação significante, é a unidade de significação (significado)[11] que poderia fornecer a resposta última da pergunta “o que você quer dizer com isso?”. É ela que possibilitaria a realização plena da intenção comunicativa. Como visto, porém, essa resposta não está contida nem no registro do significante (não podendo ser resolvida com mais falas), nem no registro das imagens[12] perceptivas. A comunicação, assim, é marcada de um impossível presente na tentativa de fechamento da questão do sentido, sendo ele a resposta para a questão do desejo presente em todo dito.

Cabe ressaltar, por fim, que esse não fechamento não está presente como problema apenas para o receptor da fala. O que se tentou buscar argumentar aqui é que o problema do desejo expresso em qualquer dito se impõe pela própria natureza da expressão de um sentido em qualquer articulação linguística. Toda a questão da comunicação, portanto, não poderá ser resolvida partindo em auxílio do receptor da mensagem, supostamente impotente de apreender um sentido evidente para o emissor da fala, mas apenas na medida em que se pensar uma operação de linguagem que resolva essa questão interna ao seu campo.

É justamente isso que parece buscar a Ciência. Resta saber como.


2.2 Discurso da Ciência


2.2.1 A objetividade da Ciência


O que é o saber científico? Começar por uma pergunta tão direta exige, por si, uma resposta de igual contundência: é um saber objetivo. Porém, ainda que sucinta, esta resposta nada responde. É preciso definir o que seria essa objetividade da ciência que. É o que essa passagem de Robert Blanché pode oferecer de início:


O conhecimento objetivo que ela [a ciência] visa, é um conhecimento que seria válido universalmente [...], (BLANCHÉ, 1948, pp. 205, tradução nossa)


Ser válido universalmente, tal seria sua característica. Isso implica que determinada construção teórica, ou seja, determinada articulação de linguagem, assuma uma mesma significação independentemente das idiossincrasias daquele que se proponha operar dentro desse campo do conhecimento. O objetivo, assim, parece ser justamente a exclusão das variações que possam surgir da relação que determinado sujeito possa ter com um constructo teórico. É o que atesta o autor quando diz que


A objetividade do conhecimento se define, então, por sua invariância com relação aos meios que nos permitem alcançá-lo, esta invariância atesta que o conhecimento é independente, certamente não do sujeito pensante em geral, o qual, a despeito da derivação verbal, não tem nada de subjetivo, mas de nossos procedimentos mais ou menos arbitrários de apreensão e de expressão. (BLANCHÉ, 1948, pp. 192, tradução nossa)


Isso parece indicar que o que fica de fora do campo da objetividade científica é justamente aquilo que, a partir de uma articulação de linguagem, produz uma variação no seu modo de apreensão e expressão. Não parece longe do que se colocou anteriormente como significação. Para efetivar a objetividade do conhecimento, é necessária sua rejeição, pela impossibilidade de ser denotado de forma unívoca a partir da língua. É esta impossibilidade que permite a produção de variações nos modos de apreensão e expressão de um saber[13], fato este que arruína o projeto de um conhecimento universal.

Propondo a rejeição do campo da significação para a constituição de sua objetividade, a ciência parece caminhar no sentido de reduzir o conhecimento ao sistema formal da língua, ou seja, às suas articulações significantes. É como caracteriza Blanché, ao dizer que ela [teoria científica] tornou-se um sistema puramente formal, sem significação exterior (BLANCHÉ, 1948, pp. 77, tradução nossa).

Se, portanto, as características desse conhecimento são marcadas por uma determinada forma de se operar com a linguagem, ou seja, restringindo-se ao domínio formal da língua, resta estabelecer uma escrita[14] capaz de realizá-la. É neste ponto que deparamos com a importância da matemática. Ela surge como um modelo de língua capaz de operar de maneira puramente formal, estabelecendo uma escrita que exclui a pergunta sobre seu sentido. Como exemplo, na equação 1 + 2 = 3 não cabe o questionamento de o que o 1 ou o 2 significam para um sujeito[15]. Ela expressa apenas uma relação, sem visar a nada que não a determinação quantitativa de seus termos a partir dela mesma. É nesse sentido que a questão da significação dos termos das equações matemáticas não se coloca, visto que expressa formalmente apenas sua estrutura. Independentemente de qual objeto se refere o 1 ou o 2 da equação, ela permanecerá tendo como resultado o mesmo valor.

Pode-se pensar que, se as qualidades sensíveis dos objetos entrassem na relação de contagem, o resultado fosse diferente. Uma ilustração possível é no caso de as qualidades do objeto, por exemplo de uma banana, fazerem parte da contagem. Poderia resultar disso o fato de que, se o sujeito que conta não gostasse de bananas, ele poderia fazer com que 1 + 2 resultasse no valor 0, ou, contrariamente, um sujeito com fome fizesse 1 + 2 = 5. É justamente pelo fato de a contagem de bananas não depender da relação do sujeito que conta com suas qualidades que ela pode ser expressa por uma escrita desprovida de qualquer referência a uma significação. É o que se aproxima de um comentário de Lacan a respeito de determinados algoritmos propostos por ele, escrevendo que os algoritmos matemáticos que são sem sentido algum (LACAN, 1966, pp.498, tradução nossa).

Por ser o instrumento mesmo do pensamento por relações (BLANCHÉ, 1948, pp. 77, tradução nossa), a matemática pode fornecer a sintaxe de uma língua capaz de constituir um campo de conhecimento objetivo: a ciência[16]. É a matematização do real (KOYRÉ, 2011, pp. 85), nas palavras de Koyré. Somente essa língua é capaz de retirar a instabilidade dos dados sensíveis e intuitivos, e escrever um sistema puramente formal.

Dessa maneira, as equações da Física, como F = M x A, devem ser tomadas apenas na sua forma relacional, não cabendo a pergunta da significação de M fora das relações teóricas de M com o conjunto de elementos formadores do campo teórico da física. Não existe, para a física, outra definição de M que não M = F/A, o que implica a exclusão de qualquer dado qualitativo, extrínseco à definição mesma fornecida pelo algoritmo. Se for preciso um método de comprovação para determinar a validade de uma teoria, ele será efetuado a partir de um experimento que, ao contrário de uma experiência concreta e ingênua, será a materialização de uma teoria a ser comprovada por determinados instrumentos, por sua vez, também encarnações da teoria (KOYRÉ, 2011, pp. 52). É o que permite Blanché dizer que:


E é bem verdade que, para controlar o valor das ideias que ele encontra nele mesmo, o espírito deve recorrer novamente à experiência, mas é, dessa vez, a uma experiência tão despojada quanto possível de seu revestimento concreto. […] Uma leitura, ou seja, a interpretação de um símbolo: é a isso que se reduz, quase sempre, a observação experimental. (BLANCHÉ, 1948, pp. 27, tradução nossa)


Ou seja, a experiência comprobatória não é algo externo ao campo da teoria que serviria como fundamento de sua eficácia, mas a resposta à pergunta efetuada pela própria articulação teórica. Ao recorrer à experiência, recorre-se, ainda, à linguagem na forma de interpretação dos dados que a própria teoria engendra: a leitura, interpretação de um símbolo. A realização do sentido, portanto, é controlada pela própria teoria[17], rejeitando o campo do para-além que se abre com a questão relativa ao significado de suas expressões.

Assim, a Ciência parece percorrer justamente o caminho que Saussure propôs para constituir a Linguística como um saber objetivo: a separação da dimensão sincrônica da língua (significante, para Lacan) da dimensão diacrônica da fala (produtora de significação). É o que permite Lacan afirmar que


Esse sistema simbólico das ciências vai em direção à língua bem feita que se pode dizer ser a língua própria, uma língua privada de toda referência a uma voz. (LACAN, 1986, pp. 344)


2.2.2 A transmissibilidade do saber científico

O que resulta, porém, desse movimento de separação de ambas dimensões da linguagem? Decorre a separação radical entre o domínio do sentido e do conhecimento objetivo, em que a questão sobre o significado, ou seja, sobre o que sustenta a significação de determinada articulação discursiva, fica rejeitada do domínio da ciência. Se a significação engendra o problema sobre a unidade que permitia sua realização a partir de uma determinada articulação significante, ou seja, o problema de a Coisa, com a ciência essa dinâmica é rejeitada em favor de um fechamento do discurso apenas sobre essas relações significantes. Como diz Lacan:


O discurso da Ciência rejeita a presença da Coisa, uma vez que em sua perspectiva se delineia o ideal do saber absoluto, isto é, de algo que estabelece, no entanto, a Coisa, não a levando ao mesmo tempo em conta. (LACAN, 2008, pp. 160)


O saber absoluto da Ciência seria, portanto, esse fechamento do discurso, subjugando o sentido à materialidade significante[18], podendo, assim, propor uma sintaxe universal para formulação de seu conhecimento científico. Estabelece a Coisa na medida em que pretende reduzi-la a sua sintaxe, ao mesmo tempo que a ignora por fechar o campo onde ela pode se apresentar como problema.

É neste sentido mesmo de redução do campo das significações que o problema da comunicação pode ser pensado. Se, na operação “natural” com a linguagem, a significação não consegue ser plenamente reduzida à sua articulação significante, apontando sempre para algo que escapa (a Coisa), a comunicação é, por isso mesmo, um problema. Essa impossibilidade de redução implica sempre a possibilidade da pergunta sobre o verdadeiro sentido de um determinado fragmento de discurso. É a emergência da questão “o que quer dizer isso?”, ou melhor ainda, “o que você quer dizer com isso?”, que, por só poder ser respondida com mais discurso, jamais poderá completar o seu sentido[19]. Com a ciência, porém, o problema da comunicação é suprimido em favor de uma transmissão puramente significante. Não se trata da pergunta sobre o sentido de uma expressão, mas se a expressão mesma, sua forma, foi transmitida.

Para citar um exemplo, para explicar o conceito de energia em Einstein na fórmula E=MxC², não cabe ao professor ensinar[20] o significado de energia, perpassando todo seu surgimento desde os gregos até a filosofia iluminista. Também não caberia questionar os alunos sobre o que significa este termo para eles, como eles se relacionam com a energia, se acreditam possuir muita energia para sua vida cotidiana, ou se sentem sua falta. É restrito ao professor apenas demonstrar as relações recíprocas deste termo E com outros termos dentro de uma trama articulada de letras. A energia deixa de acenar para um sentido externo às próprias definições presentes na fórmula E=MxC². Basta que o aluno compreenda[21] essa articulação presente na própria natureza dessa sintaxe matemática[22] para que possa operar com essas letras e produzir cálculos verificáveis a partir de experimentos controlados.

É essa dinâmica que permitiu a possibilidade de transmissão do saber científico. A rejeição de a Coisa como polo da significação permite que algo seja transmitido puramente pelas vias do significante. O problema da transmissibilidade do saber, eminente questão platônica, é contornado, permitindo Lacan afirmar que:

O que Sócrates chama de ciência é aquilo que se impõe necessariamente a toda interlocução em função de uma certa manipulação, de uma certa coerência interna, que está ligada, ou que ele crê ligada à única, pura e simples referência ao significante. (LACAN, 1992, pp. 132)


É a Ciência (ἐπιστήμη), a única coisa que se pode ensinar (KOYRÉ, 1963, pp. 21).


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao levar às últimas consequências o projeto de Saussure a respeito de sua separação fundamental entre língua e fala, a questão sobre o significado se impôs. Como visto, a língua como estrutura sincrônica de significantes não poderia responder pelas realizações de sentido da linguagem. A questão pela unidade de significação, aquilo que fundamentaria qualquer correlação entre significante e sua imagem perceptiva, é engendrada pela diacronia da fala que se situa fora do escopo daquilo que constitui o campo de saber objetivo da linguagem. É a Coisa que responde pelo querer presente no dito, pelo desejo que emerge em qualquer articulação significativa da linguagem e que se interpõe entre a significação realizada pelo falante e a articulação material que busca exprimi-la. É o dilema da comunicação que, ao mesmo tempo visa a transmissão de um sentido e se depara com o impossível de denotá-lo a partir daquilo que constitui seu modo de expressão: o significante.

A comunicação de sentido pela fala mostra-se, assim, marcada de uma impossibilidade inerente ao campo da linguagem, o que não implica dizer que toda forma de transmissão esteja vetada. É o que o projeto da ciência demonstra. Ao abdicar de ter como referência o significado, ela possibilita uma forma de comunicação apenas pela via do significante, atendo-se apenas a relações formais expressas através de uma escrita. A questão pelo significado (a Coisa) de uma expressão cede lugar para a questão das relações que determinados elementos engendram em suas definições. É a superação da comunicação pela rejeição daquilo mesmo que a define. Talvez seja esta operação com a linguagem que permita uma resposta para a constituição de um saber objetivo e universal: a transposição do problema de sua transmissão.


4. REFERÊNCIAS TEÓRICAS


● BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale I. Saint-Amand: Éditions Gallimard, 1966.

● BLANCHÊ, Robert. La science physique et la réalité: Réalisme, Positivisme, Mathématismo. 1. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1948.

● FREUD, Sigmund. Esquisse d'une psychologie: Entwurf einer Psychologia. Toulouse: Éditions érès, 2011.

● HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. 8. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

● HEIDEGGER, Martin. Que é uma Coisa?. [S. l.]: Edições 70, 2002.

● KOYRÉ, Alexandre. Estudos de História do Pensamento Cientéfico. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2011.

● KOYRÉ, Alexandre. Introdução à leitura de Platão. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1988.

● LACAN, Jacques. Écrits. Paris: Éditions du Seuil, 1966.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 1: Os escritos técnicos de Freud. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1986.

● LACAN, Jacques. Le séminaire livre I: Les écrits techniques de Freud. Paris: Éditions du Seuil, 1975.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1985.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 3: As psicoses. 2. ed. rev. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1988.

● LACAN, Jacques. Le séminaire livre III: Les Psychoses. Paris: Éditions du Seuil, 1981.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1995.

● LACAN, Jacques. Le séminaire livre IV: La relation d'objet. Paris: Éditions du Seuil, 1994.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1999.

● LACAN, Jacques. Le séminaire livre V: Les formations de l'inconscient. Paris: Éditions du Seuil, 1998.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 6: O desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 2016.

● LACAN, Jacques. O Seminário livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 2008.

● LACAN, Jacques. Le séminaire livre VII: L'ethique de la psychanalyse. Paris: Éditions du Seuil, 1986.

● LACAN, Jacques. O seminário livro 8: A transferência. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1992.

● LACAN, Jacques. O Seminário - livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 2. ed. rev. Rio de Janeiro, RJ: ZAHAR, 1985.

● SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28. ed. São Paulo, SP: Editora Cultrix, 2012.


[1] “É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito às evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão respectivamente um estado de língua e uma fase de evolução.” (SAUSSURE, 2017, pp. 123) [2] “[...] tudo quanto seja diacrônico na língua não o é senão pela fala.” (SAUSSURE, 2017, pp. 141) [3] “A unidade não tem nenhum caráter fônico especial, e a única definição que se pode dar a ela é a seguinte: uma porção de sonoridade que, com exclusão do que precede e do que segue cadeia falada, é significante de um certo conceito.” (SAUSSURE, 2017, pp. 148) [4] O termo significação será utilizado de forma preferencial ao termo significado, ainda que ambos pareçam coincidir em Saussure. Essa preferência fará sentido para a introdução do problema de a Coisa no tópico 2.1.3 [5] É o que caracteriza o dicionário, por exemplo. [6] É importante ressaltar que fechado aqui não implica que a ordem simbólica seja completa, mas que ela não permite que termos exteriores possam ser tomados como referentes para assegurar determinada significação. [7] A inversão de Lacan da prioridade do significante em relação ao significado na fórmula do signo proposta por Saussure aponta para este fato. O que ela indica é a primazia do significante ante os efeitos de significação, e, além disso, uma barra de resistência a significação, apontando para uma heterogeneidade entre ambos. Cabe justamente a pergunta pela possibilidade de transposição dessa barreira, ou seja, pelo engendramento da significação. [8] Ce que cette structure de la chaîne signifiante découvre, c’est la possibilité que j’ai, justement dans la mesure où sa langue m’est commune avec d’autres sujets, c’est-à-dire où cette langue existe, de m’en servir pour signifier tout autre chose que ce qu’elle dit. [9] É importante notar que essa questão não se coloca apenas para o ouvinte, sendo o sentido do querer do dito transparente àquele que fala. O que se coloca é justamente que o questionamento pelo sentido é imperativo a qualquer articulação, não se resolvendo numa distinção entre emissor e receptor. Esse ponto será explicitado mais adiante. [10] Isso não implica postular a anterioridade do campo contínuo da percepção com relação ao campo da linguagem nem seu inverso. Está claro que ambos estão, mutuamente implicados desde o início. O que se busca marcar é o problema ao ser tentado buscar o fundamento da possibilidade de correlação entre o campo contínuo das imagens perceptivas com o campo discreto da língua. [11] É nesse sentido que significação e significado podem, no presente trabalho, ser distinguidos. Enquanto significação aponta para a realização do significante em uma imagem, o significado relaciona-se com a pergunta sobre a unidade dessa significação. A tripartição significante, significação e significado, assim, parece repetir os três registros lacanianos: Simbólico, Imaginário e Real, respectivamente. [12] É assim que a famosa expressão ”entendeu ou quer que eu desenhe?” perde todo o seu sentido. [13] A falta da unidade de ”carneiro” permitem o reconhecimento de objetos diversos (“prato de comida“ ou “animal“) a depender das articulações significantes realizadas pelo sujeito [14] Localizar essa estrutura significante da língua. Como Lacan define a letra: “[…] ce que nous appelons la lettre, à savoir la structure essentiellement localisée du signifiant” (LACAN, 1966, 501); trata-se de, através da escrita, localizar essa estrutura significante que o conhecimento objetivo quer realizar. [15] A questão “O que quer dizer?” não se coloca. [16] “Construire une physique, c’est alors construire une syntaxe.” (BLANCHÉ, 1948, pp. 113) [17] Subjugação da significação pelo significante. [18] “ […] système d’équations se suffit entièrement à lui-même.” (BLANCHÉ, 1948, pp. 103) [19] Esse além onde se situa o sentido não deve ser pensado como um outro lugar existente independentemente da linguagem, mas um ponto de fuga engendrado pela linguagem, mas sendo ela incapaz de abarcá-lo. [20] Sobre a diferença entre ensinar e explicar, diz Koyré: “O termo “ensinar” – διδασχειν – designa a ação do mestre que transmite ao aluno o saber que possui. O mestre age, o aluno sofre a acção. O mestre dá, o aluno recebe. O mestre ensina a poesia: o aluno aprende-a, imprime-a na sua memória. É de maneira completamente diferente que se ensina a ciência: o mestre explica, o aluno compreende.” (KOYRÉ, 1963, pp. 20) [21] Ver nota 20. [22] Ou seja, não se trata de uma articulação fruto da inteligência, ou das propriedades do sujeito, mas sim da própria natureza dedutiva dessa linguagem matemática. Se é possível arriscar uma expressão, o conhecimento científico está na forma de sua própria linguagem.

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